Boca a Boca

Este mês já estive em Barcelona, em São Francisco, em Oslo, nas Fontainhas, no Porto, e no Bairro da Boa Morte, em São Tomé. Conheci o Bendik a tocar saxofone, a Dasha a desafiar o real, o Heine a encontrar teatro nos gestos do quotidiano, a Aurora a posar para um cartaz cheio de gente e o Costa a dar os seus primeiros passos no grande mundo multimédia ao lado do nosso Tomás. E tudo isto só porque vou ao teatro. E tudo isto sem sair de Viseu.
O ser humano tem esta capacidade extraordinária de fintar os seus limites e de saciar a sua curiosidade, reinventando sempre o lugar onde está mesmo quando dele não pode sair. Talvez por isso me pareça tão estranho aceitarmos tão passivamente o sedentarismo, quando a cabeça passa a vida a querer viajar e se sente sempre mais confortável a descobrir que a repetir. Não vos parece ignóbil ficar fechado num quarto agarrado a um ecrã (provavelmente a seguir as notícias do que se passa lá fora), quando qualquer outro lugar do planeta está à distância de um abrir de um trinco da porta e a um passo lá para fora? 
Há uns anos, apresentei no Teatro Viriato a «Anita Vai a Nada» ao lado de Cláudia Jardim. Apresentámos o espetáculo para todo o tipo de públicos e fizemos workshops para umas boas centenas de alunos do ensino básico. Começávamos o workshop sempre com o mesmo exercício: escrever num papel as 3 coisas que gostavam mais de fazer. A maioria dos participantes, entre os 9 e os 13 anos respondia: play station 1, play station 2, ver televisão! 
A última sessão foi com as meninas da Casa da Aguieira, um projeto alternativo de acolhimento de meninas que cometeram crimes ainda na sua adolescência. Nós não sabíamos quem eram nem de onde vinham, estranhámos apenas serem só meninas. Todas elas escreveram no seu top: passear na praia e sentir a brisa na cara; ir a casa almoçar com a minha avó; viajar, correr na floresta.
Naquele workshop fizemos tudo isso. Viajámos, fomos à praia, escrevemos cartas às avós. Eu e a Jardim ainda fizemos uma promessa. A de nunca transformarmos o que fazemos numa prisão, mas num trampolim para cumprir todas as causas e satisfazer todas as curiosidades. 
Hoje, depois de terminar esta crónica, ainda vou a São Tomé de novo, onde se iniciou o projeto do Retiro da Boa Morte, e ainda passo por Moimenta da Beira, para congeminar novas ideias, e regresso ao Porto, mas só pelo telefone, e talvez adormeça a sonhar com o Atlântico, ali para os lados do Guincho. E tudo porque vou ao Teatro, no Largo Mouzinho de Albuquerque, em Viseu. 

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Patrícia Portela, diretora artística do Teatro Viriato

What is Boca a Boca?

"Boca a Boca" é o podcast do Teatro Viriato em parceria com a Rádio Jornal do Centro. A cada semana, um espaço de partilha com a crónica de Patrícia Portela, diretora artística do Teatro Viriato, e entrevistas em que a cultura é o ponto de partida.