UV Podcast

Daniel Sigulen sempre foi uma pessoa a frente do seu tempo, tanto em relação a tecnologia quanto nas relações humanas. Ele refinou a comunicação com seus pacientes de tal forma que sempre que encontra conteúdos relevantes envia para os interessados de forma personalizada. Com objetivo de mantê-los informados, acaba criando vínculos de confiança. Confiança essa que é extremamente importante para que o eventual tratamento seja seguido de forma adequada.

O atendimento médico online durante a pandemia de Covid-19 se tornou comum, porém Daniel explica em detalhes o que realmente é importante para que o atendimento remoto seja assertivo e efetivo, dada sua vasta experiência em medicina e tecnologia.

De acordo com Daniel não há mudança sem esforço e com base nisso esse podcast é uma verdadeira aula de constante modernização tecnológica e entendimento do comportamento humano.

Show Notes

Daniel Sigulen sempre foi uma pessoa a frente do seu tempo, tanto em relação a tecnologia quanto nas relações humanas. Ele refinou a comunicação com seus pacientes de tal forma que sempre que encontra conteúdos relevantes envia para os interessados de forma personalizada. Com objetivo de mantê-los informados, acaba criando vínculos de confiança. Confiança essa que é extremamente importante para que o eventual tratamento seja seguido de forma adequada.  
 O atendimento médico online durante a pandemia de Covid-19 se tornou comum, porém Daniel explica em detalhes o que realmente é importante para que o atendimento remoto seja assertivo e efetivo, dada sua vasta experiência em medicina e tecnologia.   
 De acordo com Daniel não há mudança sem esforço e com base nisso esse podcast é uma verdadeira aula de constante modernização tecnológica e entendimento do comportamento humano. 
 

What is UV Podcast?

A Universo Visual fala sobre a oftalmologia e todas as suas subespecialidades, trazendo novidades e avanços científicos de maneira atraente e dinâmica. O podcast é uma extensão da Revista Universo Visual que busca informações inovadoras e de qualidade, oferecendo ao exigente público leitor um panorama atualizado sobre o que acontece no mundo da oftalmologia.

Podcast RX recebe o nefrologista Daniel Sigulem

Daniel Sigulem sempre foi uma pessoa à frente de seu tempo, tanto em relação à tecnologia quanto nas relações humanas. Ele refinou a comunicação com seus pacientes de tal forma que sempre que encontra conteúdos relevantes envia para os interessados de forma personalizada. Com o objetivo de mantê-los informados, acaba criando vínculos de confiança; confiança esta extremamente importante para que o eventual tratamento seja seguido de forma adequada.

O atendimento médico online durante a pandemia da Covid-19 se tornou comum, porém, Sigulem explica em detalhes nesta entrevista realizada pelo oftalmologista Paulo Schor, no dia 27 de maio de 2022, no Programa RX - Por dentro da sua próxima receita médica!, o que realmente é importante para que o atendimento remoto seja assertivo e efetivo, dada sua vasta experiência em medicina e tecnologia. De acordo com o nefrologista, não há mudança sem esforço e, com base nisso, esse bate papo é uma verdadeira aula de constante modernização tecnológica e entendimento do comportamento humano. Confira abaixo a entrevista na íntegra com o médico.

Paulo Schor - Hoje eu vou receber um amigo enorme, uma referência médica para mim, uma pessoa que me viu praticamente nascer e me conhece há algumas décadas, que é o Daniel Sigulem. O Daniel, além de ser o profissional que cuidou da minha primeira cólica renal, sempre teve uma importância grande na minha trajetória, tanto da minha família como da minha vida pessoal, sendo a pessoa que dava os toques tecnológicos mais modernos nas coisas que começavam a aparecer. E não é à toa que ele plantou todas as bases para informática em saúde na Escola Paulista de Medicina (EPM).

Mas antes disso, o Daniel fez medicina na Escola Paulista de Medicina/Unifesp, formou-se em 1965, fez residência em 1969 em clínica médica e nefrologia e acabou virando professor titular na EPM, fundando em 1988 o primeiro departamento que a Escola Paulista de Medicina teve depois de sua fundação e que foi exatamente de informática em saúde. Ele fez um centro de informática em saúde na EPM e esse centro virou depois o DIS (Departamento de Informática em Saúde), lançando todas as bases que a gente conhece de informática em saúde, formando um monte de gente e oferecendo vários produtos ao mercado e acho que vale a pena depois falar sobre isso também. Daniel, muito obrigado por tua presença. Eu queria começar perguntando se rede social é tratamento para alguma coisa? Como é que você lida com rede social e com o jeito como as pessoas se relacionam com rede social e a saúde delas próprias? O que é bom e o que é ruim e de que jeito você usa isso a seu favor?

Daniel Sigulem – Paulo, obrigado por me convidar a participar do programa. Bom, negar a rede social é negar a mudança da sociedade. Nós usamos a rede social para o banco, para as nossas relações pessoais e não tem jeito, tem que ter, e na relação com o paciente também. Eu evito de conectar com os pacientes além do WhatsApp por duas razões, uma delas é que o WhatsApp é criptografado, o que garante o sigilo da relação. E segundo, porque eu não aguento mais as redes sociais além do que recebo de mensagens e e-mails. Eu me atenho, portanto, ao WhatsApp, e o que eu tenho feito sistematicamente é passar aquilo que eu escrevo no WhatsApp para o prontuário do paciente, porque senão você acaba fragmentando a relação; eu medico, passo receita pelo WhatsApp, passo o pedido de exames, mas, obrigatoriamente, tudo isso eu jogo no prontuário do paciente, senão fica uma loucura.

Schor: Há algum tempo você fez aquele boletim para os teus pacientes, em que você sumarizava algumas notícias do meio médico, traduzia e mandava, isso fez um sucesso enorme. Aliás, você é precursor de um monte de coisa, mas isso fez um sucesso muito, muito grande. Como é que você vê isso hoje? Acha que ainda há espaço para isso? Eu acho que tem e tem muito, porque acaba substituindo um pouquinho da falta de curadoria completa da rede social e a falta de inteligibilidade das notícias que estão indo para os nossos jornais médicos. Quem está fazendo isso hoje?

Sigulem - Veja, tudo tem seu tempo, no momento que eu criei aquele Medical News, achei que era adequado, aí já se vão alguns anos e, inclusive, você foi convidado para ser colaborador. Eu acho que tinha sentido naquela época, mas hoje a explosão de informações é tão grande e o paciente tem acesso a tanta informação que eu acho que é um overload colocar mais um informativo. O que eu seleciono é quando eu encontro algo que considero crítico, segundo o meu critério de avaliação, daí eu mando para toda a lista dos meus pacientes por WhatsApp e por e-mail. Como foi com a vacina, sintomas e condutas diante da Covid-19, por exemplo, principalmente nesse período pelo qual passamos, com ideias desencontradas do governo central em relação às condutas científicas e médicas. Isso é um exemplo de notícia que eu mando para os meus pacientes para chamar a atenção; mas há um overload de informação médica hoje tanto para o paciente como para o próprio médico.

Schor - Como que você faz quando o paciente chega com informações mal colhidas? Acho que isso pode ser expandido um pouco, mas sabemos que a gente fala uma coisa para o paciente, ele ouve outra e transmite uma terceira. Isso é bastante frequente. O entendimento é difícil para a gente e para o paciente também. O que você tem feito como resposta a “ah, isso está publicado, isso eu ouvi no Google”? Você pede para ele mandar? Como que você lida com isso, Daniel?

Sigulem - Então, há dúvidas que são pertinentes. O paciente leu na internet, ouviu em outro lugar, e o que eu faço é concordar ou discordar, ou ainda acrescento aquilo que eu acho que é pertinente, porque existem algumas dúvidas que para mim não são nada pertinentes. Por exemplo, quando o paciente me pergunta se deve tomar a vacina, se deve vacinar seus filhos, eu não perco tempo em responder. Eu mando para ele uma foto de três crianças com paralisia infantil andando de muletas. E eu digo “os pais dessas crianças também achavam que não precisavam vacinar”, aí vai depender do teu próprio humor. Se você pensar que a medicina tem dois marcos críticos, sendo um deles a rede de esgoto e água encanada e o outro a vacinação, se um indivíduo começa a discutir sobre as vacinas, eu não vou me desgastar explicando, eu mando a foto e digo: “Você resolve”.

Schor – Na sua opinião, qual é o tamanho que tem que ter a TI em uma instituição de saúde? Porque a gente vê lugares sérios, como a Johns Hopkins, por exemplo, que tem um prédio para TI. Eu sei que a importância é enorme, mas, percentualmente, e de orçamento também, quanto você acha que deve ser o tamanho da TI hoje em dia em uma instituição de saúde?

Sigulem - Eu acho que deve ser uns 30% da instituição de saúde. Aí vem uma discussão que é delicada, que é a TI com técnicos, com engenheiros, com informatas, com inteligência artificial, ou com médicos, enfermeiros, nutricionistas e também técnicos, informatas e engenheiros. Esse é um conceito extremamente importante, porque há instituições que têm sido capazes de misturar essas coisas, e elas realmente dão contribuições importantes para a área da saúde. Apenas um departamento de TI numa instituição de saúde separado do fim, eu acho que pouco ajuda. Os hospitais estão cheios de sistemas de informações que foram desenvolvidos por excelentes engenheiros e que não têm nada a ver com o interesse do médico, da enfermeira, do nutricionista, do farmacêutico, mas sim com interesses do hospital de saber quanto gasta, quanto ganha etc., coisas que não têm nada a ver com saúde. Portanto, eu acho que essa discussão é ampla no sentido de que é importante esse conceito de informática e medicina, informática e saúde.

O nosso departamento na EPM era uma mistura de médicos, nutricionistas, biomédicos, tinha ginecologista, dermatologista e tinha também uma equipe de infraestrutura de informação fantástica e a mistura disso gerou vários resultados. E eu acredito que isso que é a parte crítica no desenvolvimento de sistemas em ambientes de informação, e aí vem um conceito muito mais amplo, que é se você está preocupado com a saúde ou se você está preocupado com a indústria da saúde. Se você está preocupado com a indústria da saúde, os sistemas de informações desenvolvidos - como eles são desenvolvidos hoje - são excelentes, satisfazem a contabilidade e o caixa do hospital. Mas se você está interessado na saúde, na qual você vai estar preocupado com o bem-estar do paciente, é obrigatório você misturar o médico, a enfermeira, nutricionista, farmacêutico, fisioterapeuta, todas as especialidades, para criar um sistema que atenda o paciente e não só o caixa do hospital.

Schor – E eu acho que essa foi uma das sacadas mais basilares dos desenvolvimentos que eu vi acontecer no DIS e que você tomou a frente, que é ter o agente de transformação encabeçando e participando do processo. Você estava à frente de vários processos, seja de prontuário médico, de prevenção de desastres, tinha enfermeiras participando disso. E eu não vi nenhuma, me corrige se eu estiver errado, iniciativa começando na área técnica, porque não tinha muita razão de ter, a razão vinha da área da saúde, de quem estava vendo as pessoas, os pacientes adoecerem, ficarem mais saudáveis ou menos saudáveis, e isso dá um colorido bastante interessante. Eu lembro de você pedindo para quando o paciente ligasse para teu palm que aparecesse quais foram os últimos remédios que você deu para ele e isso era uma demanda que eu duvido que tivesse na cabeça de qualquer desenvolvedor de tecnologia como uma coisa necessária e a gente sabe que é super necessário.

Sigulem - E isso se estende às outras áreas da saúde, educação a distância, educação através da telemedicina, através de recursos também variados que nós temos e precisamos envolver o profissional, não é a tecnologia com meia dúzia de slides ou meia dúzia de PowerPoint, não é isso. Eu me lembro do primeiro programa que desenvolvemos de educação a distância em saúde coletiva, saúde em nutrição pública, houve um envolvimento de quem entendia de saúde e de nutrição em saúde, com gente que entendia de didática, de pedagogia, e embasado na tecnologia da informação. Portanto, você tem que juntar todas essas coisas.

Schor - Daniel, eu vivenciei isso, você sempre vindo com ferramentas tecnológicas e fazendo questão de ter as ferramentas tecnológicas avançadas e usar o máximo possível delas. Pergunta relativamente filosófica: vale a pena para quem quer desenvolver tecnologia ter ferramentas mais avançadas para ampliar a capacidade mental de soluções, mesmo sem ter ainda a necessidade final da história? Como é que você vê isso? Talvez essa seja a pergunta: uma boa tecnologia te dá novas ideias?

Sigulem - Eu acho que sim, o metaverso, por exemplo, é uma nova tecnologia que instiga todos nós. A tecnologia nos provoca a ter novas ideias, novas condutas. E será que não vamos ter dentro do metaverso o tratamento dos nossos pacientes? Não sei te responder, mas é algo que temos que pensar a respeito e temos que digerir o que a tecnologia pode trazer. Veja, o telefone celular revolucionou a nossa conduta, tudo o que estamos fazendo pelo computador, podemos fazer por um celular, conversamos com o paciente, o paciente manda a imagem, avaliamos a imagem. Você, como oftalmologista, pode analisar o fundo de olho do paciente e pode dar uma resposta a ele, dessa forma, a tecnologia te desafia em tudo, como é que vamos lidar com isso? Eu acho que juntar todas essas coisas, o sistema de informações, o que há de melhor em tecnologia, que não é você que entende, eu não vou ser capaz de entender o software de desenvolvimento do metaverso, mas eu sou capaz de criar o conteúdo e melhorar esse conteúdo com o interesse do paciente, com o interesse da medicina.

Schor - Deixa eu entrar um pouquinho na história do metaverso, que você já está nele. Para quem não sabe, o Daniel, durante a pandemia, foi para uma outra cidade, mas continuou atendendo seus pacientes. Você não quer contar um pouquinho como fez isso? Como é que você manteve a sua prática médica sem um contato em três dimensões diário com o paciente? Eu escrevi um pouco disso inspirado muito em você em uma crônica chamada “Uma consulta diferente”, dizendo que daqui a pouco a gente ia conseguir fazer com que o exame físico fosse realizado por outra pessoa. Você conseguiu, para variar você está à frente do seu tempo. E como que você faz isso acontecer? Qual é a mágica, Daniel?

Sigulem – Vou fazer alguns comentários, o primeiro é que você tem que ser médico, saber medicina, isso é fundamental. Usar a tecnologia para ver um fundo de olho, precisa ter um oftalmologista que vai olhar esse fundo de olho criteriosamente, e para fazer clínica médica ou nefrologia, você precisa saber clínica médica e nefrologia, esse é um ponto básico. Colocar um médico, como infelizmente muitos são contratados hoje, sem residência, sem experiência para fazer uma consulta a distância, é muito complicado, porque precisa saber medicina, precisa saber interpretar. Eu acho que pelos anos de experiência, pelo meu estudo, eu sei de medicina, então tem uma variável que eu considero fundamental.

Anamnese eu continuo fazendo como eu fazia no consultório com o paciente, o que eu não posso resolver de dados do exame físico críticos naquele momento, algo que não posso obter através da tecnologia, porque há vários dados de exame físico que eu posso obter através da tecnologia, como frequência cardíaca do paciente, pressão, oxigenação, mas, se eu estou realmente na dúvida se ele está com um estertor no pulmão ou não, ou eu resolvo através de imagem ou eu solicito a um assistente meu que examine o paciente para completar o exame físico. Na maioria das vezes, nos dias de hoje, com a disponibilidade dos múltiplos recursos de imagem e com o desejo do paciente de fazer essas imagens, quer dizer, como médicos, somos forçados a fazer muito mais exames do que os necessários para os pacientes, porque eles mesmos exigem. Ele tossiu, ele quer uma tomografia de tórax, você acha que não precisa, mas ele quer. Sendo assim, acabamos dispondo de muitos recursos que complementam aquela história que a gente tirou.

Dessa forma, eu acho que o meu atendimento tem sido bastante fácil, vamos dizer assim, desde esses últimos dois anos eu tenho atendido por videoconferência, várias por dia, pelo WhatsApp etc, e eu acho que foram poucas situações em que tive que ligar para um assistente meu e dizer “por favor, vai na casa do paciente”, mas poucas situações mesmo. O restante, a tecnologia da informação, seja na hora que está fazendo a radiografia, tomografia, ressonância, outros exames, completa perfeitamente a consulta. Eu acredito que a consulta por videoconferência é extremamente eficaz, mas claro, tem as suas exceções, como qualquer regra tem as suas exceções.

Schor: Você ajudou a criar o Centro Alfa lá na Escola Paulista de Medicina, que era um lugar, e ainda é, onde os estudantes tinham acesso a prontuários, os orientadores viam a distância o que estava acontecendo com os pacientes, estudantes seguiam pacientes, enfim, eram regras muito semelhantes ao mundo atual. Mas isso foi há muitos anos, e depois queria que você me falasse o que acha que está valendo ainda na formação dos estudantes e que está faltando. Você acha que o treinamento tem uma parte importante de impossibilitar fazer telemedicina? Porque você tem seu treinamento em décadas muitíssimo refinado, todos os seus pacientes te adoram, porque você refinou essa comunicação humana ao extremo, mas demorou um tempão. Como é que a gente consegue fazer com que isso seja mais rápido? Acredita que é possível via treinamento na graduação, como alguma coisa do tipo Centro Alfa para chegar aí?

Sigulem – Qual é o problema da educação no Brasil, Paulo? Primeiro, interesse na educação, investimento, e o problema é o professor. Você tem que investir em professor, formação do professor. Qual foi o problema do Centro Alfa? Não foram os alunos, foram os professores. É muito difícil você mudar a cabeça das pessoas, tem muita gente que é bastante aberta, como você, mas a maioria das pessoas, e particularmente o médico, é muito conservadora. Nas primeiras visitas que eu fiz na enfermaria, em que eu passava com o computador e discutia os casos, os alunos despencavam em cima. Agora, quando eu ia mostrar para o responsável pela enfermaria, eu ouvia “não, isso daí não”. Vários colegas que eu conheci, que têm um bom consultório, que estão ganhando o seu dinheiro e eu digo para eles “olha, registro eletrônico do paciente é importante”, mas eles estão ganhando o dinheiro deles, para que vão mudar? Não há mudança sem esforço, o professor está acostumado, vai lá, dá aquela aula, pega os alunos, pega o paciente, discute e está satisfeito com aquilo. O problema no Centro Alfa não é o aluno, o aluno está ávido para receber essas coisas, é o professor.

Schor: E essa era a pergunta, o que você acha que ainda vale a pena na formação profissional? O que falta na formação profissional dos estudantes para chegar onde você chegou? porque eu acho que a gente tem que ser bom em tudo, não tem muito de “ah faz isso, mas deixa de fazer aquilo”, “não faz isso e faz aquilo”. Que sejamos bons em medicina, mas que absorvamos a tecnologia e, de preferência, façamos estatística também, e um pouco de inteligência artificial. A gente está indo para isso? Você vê isso nos currículos como sendo uma tendência de preparar os estudantes para fazer interações com pacientes de outros modos que não aquilo de se eu tocar o paciente, eu vou ter uma boa resposta dele, se eu não tocar, eu vou ter uma má resposta do paciente?

Sigulem – Mas Paulo, você vai dar essa resposta, não eu. Você está dentro da universidade, eu não estou mais, sou professor aposentado, eu não estou mais junto aos estudantes, você que está dentro e tem a resposta para isso.

Schor: Eu acho que não. A gente não está preparando os estudantes para ter essa proximidade do paciente. Eu só acho que é muito aperfeiçoamento, sabe? Acredito que é uma coisa que, primeiro, é muito difícil você ter uma boa relação com o paciente, o paciente confiar em você é muito difícil. Eu falo que eu nunca indico cirurgia na primeira consulta, porque eu não confio nele, ele não confia em mim, então para eu ter uma confiança, demora um pouco para que isso se faça. E quanto a distância, por mais tranquilos que estejamos hoje de fazer videoconferência, eu ainda tenho uma dúvida de quanto que eu conseguiria fazer isso a distância, passando a mesma confiabilidade e recebendo também a confiança do paciente. Você confia que os teus pacientes estão entendendo o que você está falando?

Sigulem – Eu acho que eles me entendem enquanto estão no consultório, enquanto dizem sim, mas depois que o paciente sai, ele faz tudo o que ele quer. Quanta experiência você já viveu nesse sentido, de explicar para o paciente, justificar, aí o paciente sai dali e não faz nada daquilo? Estou tratando de um caso de uma paciente com Covid-19 que há um ano e meio eu justifiquei que ela tinha que se vacinar, que era importante, e ela está com Covid e não se vacinou. A comunicação você perde pela videoconferência e perde no consultório presencial. Dessa forma, a gente trabalha dentro de uma curva de Gauss, aquela curva de Gauss que a gente acerta, se relaciona bem com um conjunto de pacientes e a curva dos pacientes que não deram a menor bola na consulta às suas recomendações e fizeram o que eles quiseram.

O comportamento do ser humano não é racional, o comportamento do ser humano é emocional. Não sei se você consegue atingir o emocional pela videoconferência ou se presencial. Você sabia que 30% dos negócios do mundo são realizados na base do emocional e não do racional? E no consultório é a mesma coisa, uma parte da tua relação com o paciente é feita pela tua perfeita conduta médica, você é um oftalmologista excepcional, você usa no consultório sua tecnologia de uma forma fantástica, uma parte é isso, mas outra parte é emocional. O paciente não foi com a tua cara, ele não vai fazer o que você mandou.

Schor – Você costumava falar uma coisa quando te perguntavam se a máquina ia substituir o médico, você não quer comentar isso? A máquina vai substituir o médico? Eu atualmente estou falando que vai sim, em várias coisas, para parar com essa história de “não, a máquina nunca vai substituir o médico em nada”, é bobagem, imagina, já substitui em um monte de coisa, começando com temperatura corporal, você não vai botar a mão no paciente e falar “olha, está com 39,5 de febre”. Não dá para saber. E aquela pergunta mais ampla, que em geral as pessoas falam para tranquilizar os médicos de que está tudo bem, “olha, continua sendo médico que a máquina nunca vai te substituir”. Qual é a sua resposta hoje para isso?

Sigulem – Eu acho que vai levar muito tempo para a máquina substituir o psicólogo e o psiquiatra. E acredito que vai levar muito tempo para a inteligência artificial conseguir absorver todas as nuances do comportamento emocional, mas uma anamnese bem tirada, o sistema inteligente vai fazer, vai fazer o diagnóstico, que é a principal função do médico. O cirurgião vai ser substituído? No início, ele vai sobreviver usando robótica. O cirurgião usa robótica e depois, talvez, não vai precisar mais desse cirurgião, porque o robô vai resolver a cirurgia também. Acho que o caminho é esse, quer dizer, o paciente vai entrar na máquina, a tecnologia faz o diagnóstico, dá a orientação, conduta, gera a receita dos óculos, se precisar, ou já faz a cirurgia da córnea automaticamente.

Enfim, creio que a máquina irá substituir isso, eu não tenho dúvida, temos um tempo limitado, talvez não em países subdesenvolvidos como o nosso, onde as coisas têm um outro viés, mas a tendência é essa, isto é, hoje você controla a glicemia do paciente, controla a insulina dele, põe uma bomba para infusão de insulina, para infundir qualquer coisa. Monitora a pressão arterial, frequência cardíaca, ausculta o pulmão, meu Deus do céu, dá até para fazer ultrassom do paciente em casa, então certamente a tecnologia vai substituir o médico, mas não vai substituir o psicólogo. Vamos dizer a relação médico-paciente que vai ser feita pelo psicólogo, essa vai levar muito tempo. É a minha sensação.

Schor - E eu comungo completamente com o que você está falando, tanto que a Marina, minha filha, pensou em fazer medicina, talvez ainda faça, mas eu aplaudo todo dia quando eu vejo que ela fez biologia, que é muito mais amplo do que medicina, e depois migrou para um campo de política pública/saúde pública, que provavelmente será muito mais impactante, eu imagino, na vida das pessoas do que fazer uma boa anamnese ou fazer até uma boa cirurgia. Acho que a genialidade humana talvez seja melhor utilizada em larga escala ou no que, de verdade, a máquina não consegue fazer, que é o que você está falando em relação a procedimentos ou anamneses ou técnicas que são repetitivas. A gente cansa, não dorme, fica bravo, é pior do que máquina na repetibilidade, a máquina é muito melhor do que nós, a gente é bom na variabilidade. Daniel, queria fechar perguntando para você sobre saúde financeira, você acha que a saúde financeira é saúde?

Sigulem – Olha, tem um livro muito interessante que eu acabei de ler. Ele discute muito bem essa pergunta que você fez, e para resumir o que o homem em relação à saúde financeira deve almejar é a sua liberdade financeira. O nome do livro é Psicologia Financeira e o autor é o Morgan Housel. Ele discute a psicologia financeira e diz que o importante é você ter liberdade financeira e que ela é diferente para cada ser, para cada objetivo individual. Cai um pouco na diversidade do ser humano, na diversidade da relação com o paciente e, no caso do médico, é a mesma coisa. Quer dizer, quanto você precisa para poder viver bem, usufruir da vida, curtir a sua vida, crescer, educar seus filhos e viajar? Isso é muito individual, não tem um número para isso.

Você pode viver com dois, com cinco, com 100 ou com 500 mil, é uma discussão muito complicada essa sobre o que é importante para o indivíduo. Para alguns, é importante ter um iate. Para mim não é importante ter um iate, mas se ele não tiver um iate, não se sente realizado, outro precisa ter um helicóptero. Outra coisa, isso também varia no decorrer da vida, os anseios de um homem na minha idade são diferentes de quando eu tinha 30 anos atrás. Há 30 anos eu queria ter uma motocicleta último tipo, sofisticada, com o melhor motor possível etc. Hoje eu não quero mais. Hoje eu quero ter um bom vinho, quero viajar em classe executiva, ou seja, é muito complicado discutir isso, isso é a diversidade do ser humano. Como é que você enxerga isso? Você fez a pergunta com que expectativa?

Schor - Eu fiz a pergunta com a expectativa de se a gente deveria discutir isso com os nossos pacientes como forma de cuidar da saúde deles e não da doença. E aí eu fico com medo da gente esbarrar no coaching, naquela coisa de “eu vou dar palpite na tua vida.” Eu não sei, eu tenho dúvidas se a gente não deveria também abarcar aspectos. Você tem essa lucidez e eu não vejo isso sendo uma coisa de comum entendimento entre todo mundo. Talvez fosse útil trazer isso para a nossa consulta médica, trazer um pouco da psicologia e da vivência para a consulta médica. Eu sei que você fala sobre aspectos de vida pessoal com os pacientes e eles adoram.

Eu, de vez em quando, me meto a falar também, mas claro que existe um limite, tem que ver quanto o paciente quer e quanto ele não quer ouvir dessas coisas. Para isso, a gente não tem preparação nenhuma e depende muito do nosso feelling. Mas por isso que eu te perguntei, eu sei que você mexe muito com finanças, as pessoas não sabem, mas você tira um tempo grande do teu dia para fazer investimentos. Mas a pergunta é se isso não faz parte também do que a gente deveria cuidar do paciente, não deveria passar um pouco dessas informações sem ser coach, sem ser o coach do otimismo. Talvez a gente tenha mais coisa para dar aos pacientes do que nós damos, o que você acha?

Sigulem – Eu não saberia te responder isso, o assunto dinheiro é tão complexo que talvez seja mais complexo do que a medicina. Você está tocando num ponto das ansiedades humanas, as demandas com dinheiro são realmente muito complexas. Eu tive várias experiências na minha vida, não com pacientes, mas com amigos, no sentido de tentar ajudar, e foram extremamente frustrantes, porque as expectativas individuais são muito diferentes. Eu acho que é um campo que valeria a pena estudar psicologia do dinheiro antes da gente se apropriar a fazer isso. Eu não tenho informação para isso, com certeza daria com os “burros na água”, porque é um campo minado, eu diria.

Schor - Dani, vou te agradecer primeiro formalmente pela conversa, você sabe o quanto eu gosto de conversar com você. Melhor que isso, só se eu estivesse aí do teu lado e se a gente estivesse degustando alguma coisa boa e podendo se abraçar, mas isso vai acontecer antes do teu retorno aqui.

Sigulem – Olha, eu também tenho que dizer, conversar com você é uma delícia e um privilégio. Quer dizer, você carrega um gene dos Schor que é brilhante, todos são brilhantes e você é mais um Schor brilhante. Obrigado pela oportunidade de poder bater um papo com você.