UV Podcast

Com ampla visão estratégica em biotecnologia, Martha Penna, que é vice-presidente a Eurofarma nos conta como a primeira multinacional farmacêutica de capital 100% brasileiro, começou como produtora de formulações corriqueiras e hoje busca moléculas próprias. Além do rompimento de barreiras trabalhando em parceria com diversas universidades do país.

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Com ampla visão estratégica em biotecnologia, Martha Penna, que é vice-presidente a Eurofarma nos conta como a primeira multinacional farmacêutica de capital 100% brasileiro, começou como produtora de formulações corriqueiras e hoje busca moléculas próprias. Além do rompimento de barreiras trabalhando em parceria com diversas universidades do país. 

What is UV Podcast?

A Universo Visual fala sobre a oftalmologia e todas as suas subespecialidades, trazendo novidades e avanços científicos de maneira atraente e dinâmica. O podcast é uma extensão da Revista Universo Visual que busca informações inovadoras e de qualidade, oferecendo ao exigente público leitor um panorama atualizado sobre o que acontece no mundo da oftalmologia.

Podcast RX entrevista Martha Penna, vice-presidente de inovação do laboratório Eurofarma

Foi ao ar no dia 20 de janeiro de 2022 a entrevista do Podcast RX - Por dentro da sua próxima receita médica! com a vice-presidente de inovação do laboratório Eurofarma, Martha Penna. Formada em medicina pela UFRJ – Universidade Federal do Rio de Janeiro, e com experiência anterior na Abbott Laboratories, a médica possui ampla visão estratégica em biotecnologia.

Nesta entrevista, ela conta como a primeira multinacional farmacêutica de capital 100% brasileiro começou como produtora de formulações corriqueiras e hoje busca moléculas próprias, além do rompimento de barreiras trabalhando em parceria com diversas universidades do país. “A Martha tem uma carreira brilhante em empresas de biotecnologia, anteriormente na Abbott e agora na Eurofarma, onde está há nove anos, e tem uma visão bastante ampla sobre estratégia de planejamento de toda essa cadeia de biotecnologia”, salientou o oftalmologista Paulo Schor.

Paulo Schor: Hoje estamos aqui para uma conversa que, para mim, foi muito esperada e agradeço por ela ter aceitado o convite. A Eurofarma é uma multinacional com capital 100% brasileiro, ganhou vários prêmios de inovação e tem uma grande força de vendas, de propagandistas, com milhares de funcionários. Martha, é um prazer te receber e gostaria que você falasse um pouco disso, da força de vendas da empresa. A nossa relação com os representantes é sempre muito cordial, a gente gosta de receber representante farmacêutico, mas temos uma agenda corrida, e também tem o outro lado, de limitar esse relacionamento, então acho que vale a pena falarmos um pouco dessa relação médicos/representantes, porque entendo que é um foco importante da empresa.
Martha Penna: Paulo, é um prazer poder conversar com você, a gente se conheceu em uma reunião para discutir um pouco da possibilidade de medicamentos novos dentro da Eurofarma na área oftalmológica. O representante de vendas, na verdade, não vende, ele fala dos medicamentos da empresa para os médicos e, em algumas circunstâncias, não apenas médicos, mas para os profissionais de saúde. Mas ele tem uma relevância que é fazer essa conversa dentro de parâmetros éticos muito bem estabelecidos, sobre quais são os nossos medicamentos e, especialmente, as novidades. Quanto mais inovador um medicamento, mais relevante a importância do representante e, algumas vezes, essa relevância também existe para as inovações que não são radicais, que são incrementais, que trazem alguma novidade para o conforto do paciente. Sendo assim, o representante tem esse papel muito importante, que é fazer uma ligação entre aquilo que a empresa tem para oferecer e o médico, sempre dentro de parâmetros éticos muito bem estabelecidos.

Schor: Deve ser caro manter representante e, principalmente, treiná-lo, deslocá-lo, e sobre isso eu tenho uma curiosidade de qual é a relação custo-benefício disso. Tem alguma digitalização em mente para que isso consiga chegar a mais lugares a um custo menor e com a mesma eficácia?
Martha: Essa relação é muito relevante, obviamente, e tem um custo-benefício favorável, senão nem existiria. A Eurofarma investe muito nisso, temos uma área de inovação digital que nem está abaixo da minha vice-presidência, tem uma relação com outra diretoria executiva de inovação digital, onde se investe bastante. Temos tateado muito esse mundo, mas, honestamente, acho que embora isso irá progredir, tenho a impressão que será muito geracional também, à medida que a geração mais nova for ganhando espaço, será cada vez mais relevante.

Schor: E eu imagino que seja um desafio grande fazer com que aquilo que a indústria está desenvolvendo ou distribuindo chegue até nós para prescrevermos. A participação em congressos, por exemplo, o custo de permanecer em eventos, com estande, todo o deslocamento, dos médicos e da indústria, é algo que está sendo muito questionado. E, talvez, os prontuários eletrônicos sejam uma ferramenta legal; se a gente conseguir ter uma ligação boa do que está sendo produzido na indústria com os prontuários, já entra direto no prontuário na hora que vamos prescrever alguma coisa. Talvez seja um modelo interessante, o que você acha?
Martha: Eu acho que a tendência é ser algo misto, uma mistura das duas coisas, inclusive porque congresso eu acredito que é uma coisa sem volta, porque de agora em diante sempre haverá a possibilidade de ir para um evento presencialmente e virtualmente também. Eu tenho reuniões que acho muito ruim não estar presencialmente e outras que não vejo a menor diferença, então creio que haverá essa tendência do misto.

Schor: A Eurofarma em fusão com outra empresa criou a Supera RX Medicamentos, uma união da Cristália e Eurofarma, e que é a primeira em prescrições médicas. O que determina se o medicamento é prescrito ou é medicamento fora de prescrição?
Martha: As regras são determinadas pelo órgão regulatório do país, no nosso caso a Anvisa, que é um dos mais rigorosos órgãos em termos de restrição da lista de OTC (Over the Counter), que é o medicamento que você compra do lado de cá do balcão, que está na prateleira junto com o sabonete e a pasta de dente. E do lado de lá do balcão, aquilo que precisa de receita. Quem faz as restrições e com graus maiores de severidade é o órgão regulatório. Isso vai desde a receita amarela, para morfina, opiáceos etc., receita azul, para benzodiazepínicos, receita retida para antibióticos etc., até o OTC, que normalmente é trabalhado em cima do nível de segurança que o medicamento tem, índice terapêutico, isto é, que não passará muito da dose tóxica e o nível de segurança é bastante conhecido, normalmente são analgésicos e antigripais, que não se precisa, necessariamente, de um médico para tomar um remédio para dor.

Schor: Você vê alguma coisa diferente no horizonte, como por exemplo as pessoas tendo mais acesso a informações e, eventualmente, até participando do processo? Eu estava conversando com o Ricardo di Lazzaro, da Genera, e ele estava comentando sobre as pessoas produzirem as próprias drogas, como parte da computação e da biologia sintética, para personalizar e talvez chegar nesse ponto. O que você acha que pode acontecer nesse sentido, com esse tipo de regulação? Acha que as pessoas conseguiriam ter mais protagonismo nessa questão?
Martha: A curto prazo não, zero possibilidade. Mesmo a médio para longo prazo acho muito difícil. O medicamento precisa de provas de eficácia e segurança. E essas provas são estatísticas, que começam por você observar uma determinada molécula no animal e depois que vê que aquilo tem um mínimo de comprovação de tese de eficácia e que não será maléfico, ou tem menos chance ou pouca chance de ser maléfico, a ponto de ser testado no ser humano, vai partir para a dose. A dose não é individual até o momento e para chegar a ser individual, da pessoa fazer o próprio medicamento, quer dizer, eu nem imagino que metodologia usaríamos para provar essa eficácia.
Hoje existe uma metodologia enorme sobre dose, estávamos até estudando isso, porque começamos a desenhar as nossas próprias moléculas e esse momento de passagem para fazer a dosificação de um medicamento é uma arte também. Tem milhões de estudos, é uma lista gigantesca de possibilidades de estudos que são exigidos. Você imagina isso transformado em um indivíduo? Eu tenho muita dificuldade, estando dentro da indústria e vendo como um medicamento é desenvolvido, de entender isso.
A pessoa vai comprar o ativo? Porque o medicamento não é o ativo, ele é uma formulação e essa formulação envolve um conjunto de coisas, que pode até ser das mais simples até formulações muito complexas, que permitem uma liberação lenta ou que permitem absorção, porque pode ser que o ativo seja muito pouco absorvido e precise de uma formulação que viabilize a farmacocinética e a absorção dele no organismo. Além disso, você usa formulações também para estabelecer a estabilidade dos medicamentos, então não consigo realmente entender como seria possível a pessoa conseguir produzir o próprio medicamento.

Schor: Eu concordo 100% com você, acho que foi super ilustrativo ouvir você falando das etapas para as pessoas entenderem.
Martha: E eu nem estou entrando na complexidade do conhecimento médico, do lado de quem está fazendo um diagnóstico, que não é simples de fazer, as pessoas acham que é um algoritmo simples, mas não é. A forma como você avalia os sintomas e sinais, os exames, e coloca tudo junto, faz um diagnóstico, até mesmo um diagnóstico diferencial, e chega na proposta de terapêutica, não é exatamente a coisa mais simples do mundo.

Schor: Você está investindo muito em inovação? Nós conversamos naquela reunião sobre possibilidades e vejo que você está à frente disso. A empresa hoje faz uma produção totalmente moderna, com fábrica grande, investimento humano grande, com cursos etc. Conta um pouco como é que você está pensando no andamento disso. A ideia é fazer parte do ecossistema de inovação? porque vocês têm desafios bastante amplos, mas eu não vi muito desafio de construção de droga, eu estou entendendo que vocês estão construindo drogas in-house e enfrentando os desafios que o mercado em geral tem, é por aí?
Martha: Nós fizemos a construção de uma jornada de inovação, que foi passar de uma empresa de manufatura pura e simples, como no tempo do Carlo Erba, para uma empresa que copia. A empresa que copia basicamente faz a formulação. Ela pega uma molécula que já existe e faz uma reengenharia daquilo que está no mercado. Então, o que fez a Eurofarma crescer é fazer produtos que são cópias, mas de alta qualidade, equivalentes, muito bem feitos, com qualidade perfeita. Sair deste ponto e ir até o ponto de fazer a sua própria molécula, o seu próprio desenvolvimento, é um percurso longo e arriscado, de grande investimento, não só recurso financeiro, mas é uma transformação na empresa. Transforma o espírito da empresa e a expectativa de retorno muda.
Existe ainda, como você falou, o investimento em recursos humanos, acabamos de inaugurar um centro de inovação, que é espetacular. Quando desenhamos esse percurso, fizemos isso de uma forma humilde também, conhecemos muito bem como é que se faz desenvolvimento de medicamentos incrementais e temos hoje um pipeline grande. Por que isso é importante? Porque faz com que entremos no mundo do desenvolvimento clínico. Medicamentos incrementais precisam de doses diferentes, formulações diferentes, a agência regulatória exige o estudo clínico, então já temos um repertório aqui dentro de como desenhar isso e de como fazer.
Construímos também um pipeline de licenças. Temos um número grande de produtos os quais licenciamos de outras bibliotecas em fase dois e fase três. Com isso, entendemos muito o mundo das patentes, de como essas empresas pequenas que são apenas de desenvolvimento conseguem fazer desenvolvimento sem ter o custo fixo brutal dentro de casa. Copiamos um pouco esse modelo e aí fomos desenhando as nossas próprias moléculas. A questão do ecossistema de inovação para o desenvolvimento radical é crítica. Investimos nas universidades, fomos mapeando as universidades do país, inclusive, porque não adianta eu ir para Harvard, eu tenho que olhar para as universidades daqui, e descobrimos que tinha muita gente boa.
Então temos projetos com algumas universidades, na base do nascimento da molécula, e estamos começando a fazer translação, e é preciso uma paciência enorme para trabalhar com universidade brasileira, romper barreiras, desconfianças etc. Existe uma desconfiança brasileira muito grande e até convencê-los de que não somos o inimigo demora. Mas hoje trabalhamos com as melhores universidades do país, várias delas. E temos trabalhos muito bonitos com startups no Brasil, mas não paramos no ecossistema brasileiro, a gente vai para fora, porque entende que para fazer desenvolvimento desse tipo é preciso olhar para o planeta. Trabalhamos com China, Israel, Estados Unidos, França etc. Se tem tecnologia boa, o que a gente puder aproveitar para nossa cadeia de desenvolvimento a gente vai lá e usa.

Schor: Esse teu discurso é ultra bem alicerçado. Essa história da universidade é um investimento também, porque é um processo que demora muito. Mas a gente tem uma riqueza absurda e aí sai do complexo de vira-lata muito fortemente com essas ações que você está falando. Eu acho que a gente muda de patamar completamente e passa a entrar no jogo. E quanto mais coisa boa tivermos em inovação, mais as outras empresas também mostrarão as coisas e aproveitarão todo esse ecossistema. Aí saímos do lugar onde estamos e entramos em outro lugar muito bom, que é de verdade fazer a cadeia completa, né?
Martha: Olha, aqui na Eurofarma nós temos zero complexo de vira-lata, a gente fala com quem tiver que falar, e à medida que vamos avançando, descobrimos que as pessoas olham para nós com respeito. A nossa qualidade de cientistas aqui é alta, a formação das pessoas é muito boa, inclusive trouxemos gente que estava fora. Brasileiros que estavam em Londres, nos Estados Unidos, trabalhando em universidades ou empresas fora do país. Temos muitos exemplos bons no Brasil, por isso não tem razão de a gente achar que não pode fazer.
E assim, a indústria farmacêutica brasileira atingiu o patamar de maturidade e aí eu faço questão de incluir a Anvisa, que é um ponto crítico, porque a qualidade de um órgão regulatório é crítica para conseguir fazer o que estamos fazendo. Se for um órgão frágil, ninguém irá respeitar. E eu não vou fazer desenvolvimento radical para o Brasil. A gente faz para o mundo. O medicamento daqui vai ser exportado, vai ser usado lá fora, nós temos um setor da economia que tem toda a condição de ser o próximo setor inovador no Brasil. Toda a condição!

Schor: Martha, eu agradeço muito a sua participação, acho que o papo foi muito esclarecedor, e me anima muito ver você falar com esse otimismo todo. Hoje eu estava explicando para uma paciente qual é a diferença de lente intraocular importada e nacional. Porque tinha essa história lá vários anos atrás, que as lentes importadas eram muito melhores do que as nacionais, e depois do aval da Anvisa tanto faz, a nacional passou por um controle de qualidade, e se a Anvisa botou o carimbo, tá carimbado! Eu acho que a pandemia mostrou bastante isso, a seriedade com que a agência trabalha, e eu faço coro com você, em gênero, número e grau.